Editorial por Rosilene Campolina
Estudos arqueológicos indicam que o cobre era utilizado, há mais de 10.000 anos, na Ásia Ocidental. Durante o período Calcolítico, as sociedades descobriram como extrair e utilizar o cobre para produzir ferramentas, ornamentos e acessórios. Foram encontrados documentos que mostram que o Vale de Timna, em Israel, fornecia cobre aos Faraós. Alguns papiros do Egito Antigo revelam que o cobre era utilizado para tratar infecções e esterilizar a água. A ilha de Chipre ficou conhecida por fornecer a grande maioria do cobre utilizado pelos antigos impérios da Fenícia, Grécia e Roma. Durante a Idade Média, o cobre e o bronze floresceram na China, na Índia e no Japão. Já na América do Sul, as civilizações Maia Pré-Colombiana, Asteca e Inca exploraram o cobre, assim como o ouro e a prata. O cobre foi o primeiro metal minerado e manufaturado pelo homem, e por isso, o mais importante elemento na história das civilizações, pois estava disponível em grandes quantidades e praticamente se encontrava na superfície do solo para extração. Além do mais, o metal era apropriado para a produção de armas, ferramentas, objetos de arte e ornamentação.
O cobre além de ser um condutor de calor ideal, higiênico e resistente à corrosão, possui condutividade térmica, o que faz dele, o metal perfeito para os alambiques, tachos e panelas. Ele conduz o calor 5 vezes superior ao ferro e 20 vezes melhor que o aço inoxidável e, graças à sua extraordinária condutividade térmica, o calor propaga-se uniformemente nos tachos e panelas de cobre. Entre os diversos benefícios do cobre, o metal possui um efeito antibacteriano, porque funciona como um filtro sobre os germes e as bactérias, para estes microrganismos o cobre é tóxico, contudo para os seres humanos o material não apresenta nenhuma ameaça, bem pelo contrário, como mostra o laudo técnico-científico, elaborado pela Dra. Amazile Maia, que gentilmente disponibilizou o documento para todos os leitores desta cartilha.
Na cozinha mineira, o cobre ganhou força, na produção do cobiçado “tacho de cobre”. Ele se tornou um utensílio tradicional e indispensável na doçaria mineira, especialmente utilizado para o preparo de doces, geleias, compotas e outras receitas que exigem um aquecimento uniforme e controlado. Além disso, o tacho de cobre é durável e resistente, com vida útil prolongada e, muitas vezes, objeto de estimação, que carrega memórias afetivas e gustativas e se passa de geração em geração, como uma relíquia de família, que já faz parte da identidade mineira. Sua beleza e brilho característicos fascinam e adicionam um toque de elegância e sofisticação à cozinha. Tradição em várias regiões de Minas Gerais como parte da identidade local, a produção artesanal de doces tem sido uma alternativa de geração de renda para doceiras e produtores de todo o Estado. Para valorizar e contribuir com essa tradição, é preciso atenção às boas práticas na fabricação de doces. Entre elas, estão as técnicas de higienização, fabricação de cristalizados, compotas, geleias, doces pastosos/cremosos e de corte, bem como o resgate cultural com a continuidade na produção de receitas de doces regionais e tradicionais. Entre tantas delícias, os doces típicos de Minas Gerais conquistam o paladar de visitantes do mundo inteiro e podem ser encontrados em todas as cidades mineiras, afinal, quem visita Minas, não vai embora sem levar um doce.
Os tachos de cobre são considerados de extrema importância para a produção de doces como figos, laranja, mamão e da goiabada, pois somente este metal garante a difusão ideal do calor que permite chegar ao “ponto” correto do doce e mantém a cor viva e brilhante tradicionalmente associada ao produto. Para garantir esta tradição e “modos de fazer”, esta cartilha procura trazer as boas práticas de utilização dos tachos de cobre, a assepsia necessária para sua utilização e seus benefícios para a produção de doces e alimentos, assim como, as informações necessárias para a fiscalização da Anvisa e Visa, para que as normas atendam ao setor e aos consumidores e a fiscalização possa ser uma aliada do desenvolvimento da Doçaria Mineira e brasileira.
E felizmente, temos boas notícias: os tradicionais tachos de cobre usados na produção de doces em Minas Gerais estão liberados. A informação foi confirmada pela Vigilância Sanitária estadual (Visa) durante audiência da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais (ALMG), na data de 3 de maio de 2022. A regra está em vigor há exato um ano, mas ainda assim, surpreendeu produtores e autoridades que desconheciam a sua liberação. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 20, de 2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringiu o uso do tacho de cobre, exigindo revestimento de outros materiais, entre os quais ouro ou prata. A alegação é de que o cobre é transferido para o alimento, com riscos para a saúde. A medida gerou grande impacto no setor, levando a casos até de depressão de doceiras tradicionais, conforme relatos na audiência. Ângela Vieira, diretora de Vigilância em Alimentos e Vigilância Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde, explicou, porém, que a norma foi modificada. A RDC 498, de 2021, vigente desde 3 de maio de 2021, permite o uso de equipamentos de cobre sem revestimento, a critério da autoridade sanitária competente, sempre que se demonstre sua função tecnológica de uso. Segundo ela, a autoridade competente é a vigilância sanitária municipal, com apoio da Visa estadual. A diretora frisou a necessidade de boas práticas, como a higiene correta do tacho, mas reforçou que a Emater tem trabalhado nessa orientação.
Se o uso do cobre depende da demonstração de sua função tecnológica, a audiência trouxe subsídios para isso. Amazile Biagioni Maia, engenheira química, mestre em Alimentos e doutora em Bioquímica, fez a defesa técnica do produto, que classificou como “insubstituível”. Entre as propriedades do cobre, ela listou a eficácia contra a proliferação de vírus, bactérias, fungos e algas.
Uma das principais características do metal, segundo Amazile, é a alta condutividade térmica. “O aquecimento inativa enzimas, o que deixa o doce com mais frescor. Também evita a oxidação que gera perda de aroma, sabor e cor. No caso dos doces de frutas verdes, como o figo, o cobre ainda estabiliza a cor (clorofila). Com base na literatura internacional, Amazile também apontou que o cobre não tem efeito cumulativo no organismo, que absorve o necessário e dispensa o excedente. Os casos de intolerância, segundo ela, são distúrbios genéticos raros. “O cobre é ingrediente em alimentos aprovado pela FDA”, reiterou, citando a agência americana que controla alimentos e medicamentos. Ainda segundo a doutora em Bioquímica, o índice preconizado de cobre é de 1 mg/dia, mas a FDA isenta de risco até dez vezes esse valor. Ela aponta, por fim, que os doces em geral não atingem esse limite diário inicial. “O cobre está presente em todos os seres vivos, animais e vegetais, desempenhando importantes funções. É elemento mineral indispensável a processos vitais, por isso é referido como micronutriente essencial”. Segundo ela, à diferença do alumínio e do chumbo, o cobre não é considerado tóxico porque não tem qualquer efeito acumulativo no organismo. “É importante que existam normas que garantam boas práticas para produção de todos os alimentos, mas, no caso dos doces artesanais, a proibição dos tachos de cobre é um encaminhamento simplista, atrelado a prejuízos socioeconômicos e culturais, sem nenhuma comprovação de benefício para a saúde dos consumidores”.
O “Tacho de cobre”, utensílio tradicional no setor e na comunidade doceira, que desde de 2007 estava restrito, agora pode ser usado. O objetivo desta cartilha é disseminar a informação à comunidade doceira e gastronômica, contando que desde do ano de 2007, a lei que restringia uso do tacho de cobre foi revogada e ele voltou a ser liberado, sem a necessidade de ser revestido por outros materiais. O que representa uma conquista para a Cultura Alimentar Mineira. Tudo graças ao esforço coletivo de amantes da culinária e das tradições mineiras. O que seria da nossa cozinha sem o tacho? Para entender a importância do doce na economia mineira, seria possível comparar as 700 fábricas de doces registradas com o número de municípios de Minas Gerais, ou seja, quase uma fábrica de doce por município, sem mencionar as que ainda não são registradas.
O tacho não é vilão da história, mas um tipo de oxidação esverdeada chamada azinhavre que se forma nestas superfícies quando expostas ao ar úmido, mas que é inteiramente retirada quando os utensílios são lavados com bucha e uma solução ácida que pode ser vinagre e sal ou limão e sal. É tão necessário debater sobre este tema quanto buscar os atores deste cenário que envolve a cadeia produtiva da gastronomia, as memórias afetivas, a cultura e o ofício de grandes mestras mineiras. Precisamos mostrar e provar cientificamente que o uso do tacho de cobre é viável e necessário para continuidade desta tradição ancestral, que carrega nossa história e imprime a nossa mineiridade e afetividade. Já dizia Raul Lody, “depois do idioma, o alimento é o mais importante elo entre o homem.
“TUDO EM MINAS SE FAZ SEM PRESSA.
Alceu de Amoroso Lima
FAZEM-SE AS COISAS PARA PERMANECER
E NÃO PARA APARECER…”
Publicação Original: https://minasumluxo.com.br/